como o esporte e a paternidade ainda vivem relação conflituosa


Bebeto, ex-atacante da seleção brasileira de futebol, é mais conhecido pelo episódio em que não embalou o filho Mattheus ao nascer. Foi em plena Copa do Mundo, em 1994, nos EUA. O jogador o homenageou com o gesto de balançar os braços unidos, de um lado ao outro, símbolo do tetracampeonato do Brasil. A imagem da comemoração do gol marcado pelo jogador contra a Holanda, nas quartas-de-final, rodou o mundo. Mas, teve um parto que ele fez questão de participar: o de Stéphannie, a filha do meio, em 1991.

Denise, sua esposa, precisaria fazer uma cesárea e eles marcaram a cirurgia para um dia de folga do jogador. Mas, Paulo Roberto Falcão, o técnico do Brasil à época, caçou a folga do grupo, que estava concentrado na Granja Comary, em Teresópolis. Bebeto pediu liberação para viajar ao Rio e ouviu sonoro “não”.

Embala neném: Bebeto, em jogo da Copa do Mundo nos EUA, homenageia filho Mattheus, que acabara de nascer no Brasil. — Foto: Cezar Loureiro
Embala neném: Bebeto, em jogo da Copa do Mundo nos EUA, homenageia filho Mattheus, que acabara de nascer no Brasil. — Foto: Cezar Loureiro

— Era treinamento e nem ia deixar de treinar porque voltaria no dia seguinte. Só pedi para ver o nascimento. O Falcão não me liberou. Bicho, eu saí do espírito e disse: “Então tô fora”. Fui embora — lembra Bebeto. — Respeito o Falcão, mas ele mandou mal. Cara, a família é tudo.

Bebeto, campeão mundial em 1994 e vice em 1998, segurou Stéphannie no colo, “a coisa mais linda do pai”, e no dia seguinte voltou à concentração. Mas, o clima entre ele e Falcão não era bom e Bebeto pediu dispensa antes da Copa América daquele ano.

Stéphannie e Bebeto comemoram gravidez de primeira filha dela: Heaven; a modelo também é mãe de um menino — Foto: Arquivo pessoal
Stéphannie e Bebeto comemoram gravidez de primeira filha dela: Heaven; a modelo também é mãe de um menino — Foto: Arquivo pessoal

— O mais importante da vida é o nascimento dos filhos. Mas, em 1994, não tinha como, não tinha como mesmo. Copa do Mundo é Copa do Mundo. Não cogitei pedir para viajar ao Brasil e depois voltar aos EUA. Aquele título foi tão importante, tanto sacrifício que fizemos. E se tivesse que fazer tudo de novo para que o Brasil conquistasse a Copa do Mundo, faria.

Mattheus, o caçula de Bebeto, seguiu os passos do pai e joga no Farense, em Portugal. Fala que a homenagem “embala neném” é motivo de orgulho e que o pai sempre esteve ao lado da família. Ele tem duas filhas, Aya (2) e Nya (1) e Denise brinca que Mattheus foi mais corajoso e acompanhou tudo de perto. É que Bebeto recebeu o primogênito Roberto Nilton e Stéphannie em seus braços fora da sala de parto.

Mattheus e Aya: filho de Bebeto recebeu a primogênita na sala de parto — Foto: Reprodução
Mattheus e Aya: filho de Bebeto recebeu a primogênita na sala de parto — Foto: Reprodução

— Hoje, os homens são mais participativos na rotina da casa, da família. E agora, com mais tempo, Bebeto tem aproveitado para curtir o que não pode quando estava no auge. Sempre foi um ótimo pai e agora é um excelente avô — comenta a ex-jogadora de vôlei que apoiou a decisão do marido em 1991 e 1994.— Também fui atleta e em 1994 ele tinha de manter o foco na competição. Todos fizeram sacrifícios. Ele prometeu a Copa do Mundo e trouxe.

Denise diz que sabia que só com muita sorte teria Bebeto a meu lado nessa hora.

— Apesar de achar importante para a mãe, que está fragilizada, acredito que para o pai também é importante. É um momento lindo.

A seleção de Tite não teve o mesmo sucesso no Mundial do Catar. O Brasil foi eliminado nas quartas de final. Em ótima fase no Arsenal, Gabriel Magalhães estava no radar de Tite para esta competição. Mas não foi convocado. Recentemente, Juninho, ex-coordenador da seleção, disse que o prestígio do zagueiro caiu a partir do momento que ele pediu dispensa para acompanhar o nascimento da primeira filha, em março de 2022. Na ocasião, ele não aceitou a convocação para jogos das Eliminatórias.

Gabriel Magalhães, preterido pela seleção  — Foto: Lucas Figueiredo/CBF
Gabriel Magalhães, preterido pela seleção — Foto: Lucas Figueiredo/CBF

Por causa deste episódio, o debate sobre como o esporte trata a paternidade voltou à tona. Assim como um vídeo do lituano Sarunas Jasikevicius, um dos técnicos mais prestigiados do basquete mundial. Ele emociona ao explicar o motivo pelo qual liberou o brasileiro Augusto Lima em meio à disputa do Campeonato Lituano de 2017 pelo Zalgiris Kaunas. O jogador havia viajado para a Espanha para acompanhar o nascimento da primeira filha, Alba, hoje com 6 anos.

Ao ser questionado por um jornalista sobre a ausência do pivô, o técnico respondeu: “Você tem filhos? Quando você tiver vai entender. É o máximo da experiência humana. Nada pode ser mais majestoso nesse mundo do que o nascimento de uma criança. Acredite em mim.”

Augusto ficou dois dias fora do torneio. Não atuou no terceiro jogo da semifinal masvoltou para o jogo de número 4. E o Zalgiris Kaunas avançou à final.

— Sei que não era usual mas meu técnico garantiu que me liberaria independentemente da data. Mas o parto caiu bem no meio da semifinal do torneio mais importante do clube, sendo que a gente tinha perdido o primeiro confronto. Precisávamos ganhar o jogo seguinte. Achei que ele nunca ía deixar. E ele manteve a palavra de forma surpreendente — lembra o jogador, que morava na Lituânia mas a esposa à época estava na Espanha. — Ele disse que era para ser normal, mas não era bem assim.

Augusto Lima e Alba: esporte e paternidade — Foto: Arquivo pessoal
Augusto Lima e Alba: esporte e paternidade — Foto: Arquivo pessoal

Augusto, que hoje defende o Unicaja, de Málaga, também é pai de Jesus, menino que nasceu em janeiro, na Espanha. Como estava machucado e em recuperação, não teve problemas para acompanhar o parto.

Augusto Lima e a filha Alba: jogador de basquete pediu dispensa do clube, em plena semifinal do Campeonato da Lituânia, para acompanhar o nascimento da filha em outro país. — Foto: Arquivo pessoal
Augusto Lima e a filha Alba: jogador de basquete pediu dispensa do clube, em plena semifinal do Campeonato da Lituânia, para acompanhar o nascimento da filha em outro país. — Foto: Arquivo pessoal

— Nascimento de filho acontece uma vez só, independentemente de quantos filhos se tem. Cada filho é um filho. É um momento único e sim eu acho que os pais precisam estar com a família. Pela família mas também por nós. É mágico, diferente de tudo — opinou o jogador campeão dos Jogos Pan-Americanos de Toronto, em 2015, com a seleção brasileira.

Augusto comenta que foi dentro de casa que aprendeu como o papel do pai e da mãe podem ser harmônicos. Disse que seu pai e sua mãe se dividiam entre os empregos na rua e o cuidado com a casa. Sem distinção. Segundo ele, a mãe Andrea, engenheira e arquiteta, é “uma das poucas mulheres que fez uma faculdade em uma família grande”. Ele acredita que muita coisa mudou desde a sua experiência em 2017. E que a paternidade ganhou importância.

Hoje Augusto vive um processo de divórcio e explica que valoriza ainda mais o tempo com os filhos. As crianças vivem com a mãe em Múrcia e ele viaja por cerca de quatro horas a cada duas semanas para encontrá-los. Também conta com a ajuda da tecnologia para manter contato quase que diário:

— Quando tenho folga também vou para lá e renovo minha energia. Jesus tem um sorriso maravilhoso. E a Alba é a minha princesa. Gostamos de ir ao zoológico, de brincar de boneca, de ver filme. Ela é menina aquática e fiz uma jacuzzi para ela brincar durante o inverno — diz.

Augusto Lima pelo Unicaja: jogador já defendeu time na Lituânia e na ocasião pediu dispensa de torneio importante para acompanhar o nascimento da filha Alba — Foto: Divulgação
Augusto Lima pelo Unicaja: jogador já defendeu time na Lituânia e na ocasião pediu dispensa de torneio importante para acompanhar o nascimento da filha Alba — Foto: Divulgação

Augusto tem contato com o treinador Jasikevicius até hoje. Ele o considera como um irmão mais velho. Garante que o carinho é anterior ao episódio. Mas, a admiração e o respeito só aumentou. Jasikevicius é ex-técnico do Barcelona, atual campeão espanhol. Nas três temporadas no Barcelona (2020-23), Jasikevicius conquistou dois títulos da Liga Espanhola (2021, 2023), além de duas Copas del Rey (2021, 2022) e uma Liga Catalã (2022).

— Muita coisa mudou, é verdade, mas os atletas ainda são vistos como máquinas, que tem de render em quadra ou no campo, quantos dias seguidos forem. E treinadores como Jasikevicius são o que são… Ele destoa de outros técnicos porque é incrível e respeita o ser humano e o bem estar de seus atletas.



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