Robbie Robertson: morreu um músico cinéfilo


A notícia da morte de Robbie Robertson — dia 9 de agosto, em Los Angeles, contava 80 anos — deixa uma memória vibrante e nostálgica, tanto nas páginas gloriosas do rock’n’roll, como na história riquíssima do cinema dos últimos 50 anos. A sua biografia pode resumir-se, afinal, através de um permanente ziguezague entre a sua banda, de nome irónico The Band, e os filmes em cujas músicas colaborou, com inevitável destaque para a longa e fascinante aliança com Martin Scorsese.

Pormenor sintomático: lançado em setembro de 2019, o derradeiro álbum de Robertson a solo, “Sinematic” (título, por si só, revelador da “duplicidade” do seu trabalho) inclui duas canções que figuram na banda sonora de “O Irlandês” (2019), de Scorsese — uma dessas canções, “I Heard You Paint Houses”, aqui recordada, é interpretada em dueto com Van Morrison.

Cruzando elementos da herança folk com a energia do rock, The Band lançou o seu primeiro álbum, “Music from Big Pink”, em 1968, apresentando na capa uma pintura da autoria de Bob Dylan, que o grupo acompanhou durante vários anos, sendo essencial na definição e consolidação artística de The Band. Com o segundo álbum, apenas intitulado “The Band” (1969), incluindo temas lendários como “Across the Great Divide” ou “The Night They Drove Dixie Down”, Robertson e os seus companheiros afirmaram-se definitivamente como uma referência incontornável na paisagem da música popular, sem que deixassem de participar em vários álbuns de Dylan, incluindo “The Basement Tapes” (1975).

Seja como for, faz sentido dizer que foi com o filme “The Last Waltz/A Última Valsa” (1978), de Scorsese, que The Band consolidou o seu estatuto na história “oficial” do rock. Trata-se do registo de um concerto realizado no dia 25 de novembro de 1976, no Winterland Ballroom (São Francisco), na companhia de muitos amigos — Dylan, claro, mas também, entre outros, Eric Clapton, Dr. John, Joni Mitchell, Van Morrison e Ringo Starr —, uma performance que foi insolitamente anunciada como o “concerto de despedida” da banda.

Assim aconteceu, mas só até certo ponto: Robertson e os seus companheiros estavam realmente cansados de muitas digressões, mas voltariam a reunir-se em 1983. Esta é a interpretação de “The Night They Drove Dixie Down”, em “The Last Waltz” — além de Robertson, os elementos da banda são Rick Danko (baixo), Levon Helm (bateria), Garth Hudson (piano, acordeão, sintetizadores) e Richard Manuel (piano, órgão).

Em 1980, Robertson surgiu no elenco de “Carny”, uma realização de Robert Kaylor, a meio caminho entre ficção e documentário, sobre um típico “traveling carnival” (uma espécie de circo ambulante com muitos números musicais). Não foi o início de uma carreira como actor, mas seria o prólogo da sua colaboração com Scorsese, começando pela organização dos materiais musicais de “O Touro Enraivecido” (1980), seguindo-se mais de uma dezena de títulos, incluindo “Casino” (1995), “Gangs de Nova Iorque” (2002) e “O Lobo de Wall Street” (2013), quase sempre na qualidade de consultor musical, mas também como compositor. As derradeiras peças compostas por Robertson para Scorsese estão em “Killers of the Flower Moon”, revelado em maio no Festival de Cannes, com lançamento agendado para outubro, primeiro nas salas, depois na plataforma AppleTV+.

Curiosamente, sendo uma personalidade com influências tão importantes na evolução da música dos EUA, Robertson nasceu no Canadá (na cidade de Toronto, a 5 de julho de 1943). A organização que consagra os contributos históricos dos cantores canadianos, Canadian Songwriters Hall of Fame, acolheu Robertson em 2011. The Band figura no Canada’s Walk of Fame, em Toronto, desde 2014.

Aqui fica “Somewhere Down the Crazy River”, canção do primeiro álbum a solo de Robertson, intitulado apenas “Robbie Robertson”, lançado em 1987.



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